quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Doutrina

Isto das memórias é como as cerejas. Puxa-se uma e conseguem-se sempre às duas e três, pelo menos. Foi assim que, ao puxar "o primeiro dia de escola", me saíu outra lembrança, que também tem a ver com lições da vida da aldeia em que aprendi a andar, a falar e muitas mais coisas, talvez as mais marcantes, porque foram as primeiras. Ainda antes de ir para a escola, comecei a ir à doutrina (naquele tempo ainda não se chamava catequese). De padre nossos e avé marias, bem como das jaculatórias mais comuns, já ia aviada de casa, pois o terço era rezado em família. O meu avô entremeava as orações com apreciações várias: A prenhez da gata, que se lhe enroscava no colo, o tempo que ia fazer no dia seguinte e outras, que se lhe atravessassem nos dizeres, de que é exemplo um "salvé raínha, mãe de misericórdia - valha-vos 600 diabos, já me partisteis a cruz ao terço - vida doçura, esperança nossa..." A doutrina era ensinada aos domingos de tarde, por duas beatas velhotas. Uma delas, talvez não por acaso a que sabia ler, ensinava os meninos ficando a outra, que não conhecia uma letra, a dar o catecismo às meninas. Todas sentadas em banquinhas pequenas, lá íamos cantando as lenga-lengas e foi assim que, à pergunta «Quem é Deus?» todas decorámos que «é um ser todo poderoso, criador do céu e da terra... nosso "legérador" e "rumenérador"». Chegada a casa e, na tentativa de perceber o que cantarolara, perguntei aos meus pais o que significavam aquelas palavras esquisitas. Não sei se precisaram de ir ver ao catecismo... Responderam-me que, tais palavras não existiam e que eu deveria dizer, em vez delas, respectivamente "legislador" e "remunerador", cujo sentido me devem ter explicado. Armada deste «saber», aí vou eu, no domingo seguinte, solícita, corrigir a catequista. Não entendi porque é que, apenas lhe disse que não eram aquelas as palavras da resposta, levei uma pancada, dada com os dedos da mão grossa, bem no alto da cabeça, juntamente com a advertência de que eu deveria dizer, tal qual como ela ensinava, as «palavras sagradas» do catecismo. Deve ter sido a partir desse dia que enjoei catecismos e catequistas... Claro que não pude deixar de ir à doutrina (tinha que fazer os passos todos...) mas felizmente, os meus pais não fizeram muita questão de que fosse muito assídua...

3 comentários:

Justine disse...

Mas ficaste com histórias deliciosas para contar! Não valeu a pena??
Beijo

mdsol disse...

Ai como eu estou...as lágrimas correm-me pela cara abaixo de tanto rir... e como entendo e tenho "vivências parecidas".... Lembrei-me de uma história deliciosa que a minha Tia D (sim, sim a tia D.) contava a propósito da letra de um cântico (assim se chamam as canções da Igreja)que também eramuito aldrabala e que ela tentou ingloriamente corrigir... Lembras-te? Não morra a pátria e a sua bandeira era o correcto...lembras-te como diziam?

Faz um esforço de memória porqu etu tens muito jeito para contar estas histórias...
eheheh
:))))

cristal disse...

Era "Amo um rapaz dubaixo da bandeira" Mdsol. E tb me puseste a rir a bandeiras despregadas... (de onde terá saído esta expressão?)