sábado, 10 de janeiro de 2009

No Sal

O texto que se segue foi escrito em Julho de 2005 no aeroporto do Sal de onde estou a publicar este post. A fotografia foi tirada agora mesmo e mostra um painel pintado pelo pintor e músico Caboverdiano Kiki Lima. A diferença é que desta vez estou a sair de Cabo Verde e agora temos internet wireless no aeroporto para entreter as 6 horas de espera que, desta vez não acho que alguém me tire :)

No Sal
Estranho o aeroporto! Apesar de já o ter visto como ele é hoje, na última viagem a este país, não é o aeroporto das minhas memórias do Sal. O aeroporto, onde vivi tantos encontros, tantas partidas e chegadas, o aeroporto ligado a tantas recordações dos anos que foram, sem dúvida alguma, dos mais plenamente conseguidos de toda a minha vida. Fui feliz no Sal como raramente se diz ser feliz...
Tenho 6 horas de espera pelo avião que me levará até S. Vicente e, dessas, já passei quase metade no bar onde bebi uma água e comi um yogurte. Esta, uma iguaria impossível de encontrar quando cá vivemos, assim como muitas outras que nos obrigaram a desenvolver competências insuspeitadas nas artes da cozinha... E não só... Quanta criatividade para viver por cá o dia-a-dia, mas também quanta certeza de ser capaz... De enfrentar fosse o que fosse...
Fui trocar euros por escudos e... que incrível!!! Ser reconhecida e tratada pelo nome, por parte do jovem que me atendeu! Até esse momento nenhum rosto familiar, nada nem ninguém reconhecível e quase me dispunha a esquecer que estava aqui. Terminei de ler o "Exercícios de Estilo" do Luís Pacheco e não me sentia muito disponível para vasculhar a memória procurando caras ou nomes e esperava tudo, menos que um jovem com menos de 30 anos me arrancasse desta passagem anónima. Afinal, fiquei e continuo vivendo em algumas memórias dos "miúdos" do Sal para os quais, com os quais, fiz um dos trabalhos que maior satisfação me proporcionaram. E isso é muito, muito, muito gratificante...
E, depois deste encontro, começaram os nomes e os rostos a saltar em catadupa da memória, até as vozes e os odores vêm trazendo consigo episódios e sensações, lembranças queridas de um tempo feliz, que passei neste pedaço de terra erguido no meio do oceano, grudado para sempre àquilo, àquela, que sou. E, a partir desse momento, não me sinto mais estranha e até mesmo o tão diferente aeroporto, me parece, de novo, bem familiar.
De repente surge o A. B., bem mais velho, (como eu), e logo me lembro que é casado com a C. e das músicas que compunha e tocava no violão em alguns dos serões em que nesta ilha participei. Este encontro acabou por encurtar esta espera no Sal. O A. conseguiu meter-me no primeiro voo para S. Vicente, a seguir ao nosso encontro. Velhos vícios, velhos privilégios... E cá estou eu já no avião, esperando o levantar para o voo de cerca de 45 minutos que me deixará em S. Vicente.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Se não fora por causa do vento

Pois! Se não fora porque está um ventinho de atirar areia aos olhos, eu não estaria aqui abrigada a passear pela net. Assim, este abrigo é bom e dá-me pretexto para vos oferecer mais uma fotografia do ex-libris deste "Soncent que um vez era sabe..." Agora também é mas, quando o vento toma conta do clima, não há sabura que se imponha, a menos que possamos estar num cantinho sossegado. De onde vos deixo com este poema de Corsino Fortes:

Girassol

Girassol

Rasga a tua indecisão
E liberta-te.

Vem colar
O teu destino
Ao suspiro
Deste hirto jasmim
Que foge ao vento
Como
Pensamento perdido.

Aderido
Aos teus flancos
Singram navios.

Navios sem mares
Sem rumos
De velas rotas.

Amanheceu!

Orça o teu leme
E entra em mim
Antes que o Sol
Te desoriente
Girassol!